Muralha

Essa muralha dura que, com o gosto certo para as palavras e o cheiro certo para a presença, amolece o mais duro gosto pela vida. Ainda que nada que mereça uma racional lista neste momento, é como se faltasse o mais essencial ar puro e quente da minha saúde. O ar certo. E pela incoerência da vida e o delicioso gosto contrário pelo certo, esse ar, que se disfarça em puro, nada mais é que o velho conhecido gosto dos sonhos vermelhos aveludados e perfumados de cabarés imaginados. O gosto pesado de erros soltos, expostos, e mais do que de encontro com o que palpita sem coerência mas soa em perfeição dentro de mim. O ar que bombeia as formigas de uma retardada felicidade levando sensações até para as improváveis pontas do cabelo e unhas do pé. Aquele que arrepia até as peles sem vida das camadas mais próximas à morte. As palavras saem querendo ter sentido, mas a boca se morde tamanha a vontade de abocanhar tanta cerimônia e transformar o peso ereto do humano responsável em instinto animal que corre de quatro e morde sem pedir. Nada que eu não tenha sentido antes, ou escrito, mas mais uma vez, o que pontua minha vida em momentos e me joga para a frente pra cair de cara. Seja para chorar o inferno próximo, seja para me sufocar de você querendo todos os meus ângulos. De energia presa num interesse congelado que grudei nos seus olhos, ainda me pergunto se minha clareza não te cegou. Minha energia em potencial, louca para cair de um longo prédio de andares divertidos e morrer tristemente no vazio de um fim certo para um sonho improvável, está zerada na espera de um estalar de dedos. Estale os dedos e olhe para o chão. Eu estarei ali, arrastada em possibilidades e forte em atração para subir até o andar para o qual você me der asas. Sei, como sempre soube desde que tomei noção de minha existência baseada em vôos com horas marcadas para quedas, que vou me estabacar em pedaços mais uma vez. E sei que os juntarei novamente, me jurando preservação. E, assim que estiver inteira, estarei novamente cheia de vontade de sair dando encontrões com o mundo. Este mundo que insiste em inventar leis, regras, juramentos e instituições. E insiste em perder para seres apaixonados que juram, até para Deus, que nada pode ser mais sagrado do que a fidelidade aos hormônios. Clichês me embrulham mais o estômago que qualquer podridão que meu lado puritano oitenta, irmão gêmeo do meu lado safada oito, tente me jogar na cara. Aqui estou eu aberta até onde se pode rasgar, exposta até onde se pode vender e insinuando até onde se pode explicitar. E ainda que isolada de cúmplices, longe de aplausos e renegada de benção, aqui estou eu novamente servindo com prazer os meus joelhos à divindade do desejo. Se você não puder esperar, será bem-vindo em minha ansiedade. Se você me quiser embaixo de mangas, será bem-vindo em meu masoquismo feminino nada original. Por hora lhe agradeço. Voltaram a gritar os teclados espancados de sentidos para traduzir uma alma que já não cabe mais em seu estado natural. Agradeço-lhe o sorriso estúpido que por mais banal que seja. Nos faz sentir negritados em meio a tantos seres e suas aspirações. Agradeço-lhe a vontade de errar, sem ela minha vida não parece certa.

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